08/10/2023

Mais do que real, a crise dos trinta é matemática



❝ Matamos o tempo; o tempo nos enterra. 
Machado de Assis

Não me entenda mal: a matemática não transcende a realidade. Se isso acontecesse, a minha crise seria antecipada ao primeiro contato com o conjunto de números reais. A crise dos trinta é exata porque pode ser prevista em cálculos. É possível tirar a prova real desse problema crônico.

O desesperador nisso tudo é que as ciências exatas são mais implacáveis que os fatos. Há um sem-número de abstrações para fugir do mundo real, mas não há uma só maneira de ignorar um número sem comprometer o resultado final.

Não estou dizendo que você está fadado ao fracasso pura e simplesmente por trintar. Na verdade, se você não tiver nenhuma aspiração nem se comprometer com planos alheios até lá, não precisará se preocupar com coisa alguma. Basta não planejar — sem planos, sem fracassos. HAHA .

Falando sério, as pessoas têm destinos diferentes. Algumas nem querem durar tanto [eu também não queria]. Outras fogem das convenções sociais de gerações passadas: vivem de aluguel por opção e viajam pelo globo com o dinheiro que sobra, optam por não ter filhos e não possuem emprego fixo.

Todas elas experimentam algo em comum — uma crise para chamar de sua — pois ninguém passa incólume por três décadas de vida. O tempo é, ao mesmo tempo, exato e inexato. Exato porque nada altera a sua natureza, inexato por sempre produzir efeitos distintos.

Aos trinta, o cérebro está totalmente formado e você parece predisposto a tomar decisões equilibradas. Por outro lado, o desequilíbrio hormonal dá os primeiros sinais. Talvez haja o mesmo vigor físico dos últimos anos de juventude, mas os membros do seu corpo mostram fragilidade e pouca resiliência à dor.

AS DORES NÃO IMPEDIRAM A SANDY DE CANTAR
Aquela dos 30

Você perde as massas óssea e muscular pouco a pouco e acumula muito mais da massa gorda. A sua cosmovisão parece completa, mas você continua com crises existenciais e duvida das próprias crenças perda após perda, da calvície ao luto. Questiona, inclusive, o estilo de vida que levou até então. Se liberal, lamenta não ter buscado sossego; se ortodoxo, teme não ter arriscado-se mais do que devia.

Para esse último grupo, a ampulheta estará ainda menos afunilada. Quer filhos? A partir dos trinta, há mais riscos de partos prematuros ou coisa pior. Cinco anos depois, a fertilidade feminina começa a cair e a gravidez de risco entra em cena, sem contar a chance de menopausa precoce. O homem, por sua vez, terá um fôlego de um quinquênio antes do declínio da fertilidade. A adoção é uma alternativa? Com certeza, porém entre na fila com seis anos de antecedência, no mínimo.

Percebe? É cruel, o tempo é cruel. Se você quiser transmitir o "legado da nossa miséria" a uma criatura, terá poucos anos pela frente e, se for um espírito livre, precisará lidar com dois fatos: o seu organismo já não reage como antes e a utópica liberdade compreende não depender de ninguém para nada. Então, se quiser fingir que é livre por novos tempos, some às obrigações da vida adulta os cuidados com a saúde.

Este texto pode parecer pessimista, contudo é só você me entendendo mal outra vez. Tome isso como uma carta aberta aos jovens adultos para que não se preocupem mais do que o necessário antes dos 25, mas também para que não esperem tanto a hora de fazer as contas.

Num cenário ideal, você encontra a parceira indicada até os 25, tem uma casa quitada até os trinta; gera uma vida planejada e inicia outros planos a dois antes dos 35. Nesse ponto da indústria vital, tudo é sobre controle e manutenção daquilo que foi alcançado. Não por acaso, dizem que as décadas anteriores são meros ensaios para os quarenta, quando a vida estreia. É nessa faixa que os sobreviventes à crise supracitada desfrutam dos logros individuais e se sentem realizados com as conquistas em casal.

"A vida começa aos quarenta". Então, por que, raios, nos fazem vir com tanta antecipação?

Estou nesta altura da vida — a crítica — e digo: o mar não está para peixe, muito menos para peixes que nadam contra a corrente. Num mundo cada vez mais avesso ao compromisso, é preciso buscar parceiras contemporâneas ou, pelo menos, anacrônicas. Elas existem? Claro! No entanto, a maioria já foi fisgada e, muitas vezes, pelos seus predadores.

Parece um jogo de azar. É necessária uma sorte incrível para encontrar alguém compatível e disponível. São duas variáveis complicadas que não envolvem apenas números. Afinal de contas, você deve conhecer uma mulher madura que, de repente, decidiu viver uma adolescência tardia, certo? Além disso, considero muito otimista pensar que cinco anos bastam para se formar um par adequado, confiável, com planos e sentimentos mútuos.

Trata-se de uma luta injusta. É preciso superar o tempo e os predadores, não ser confundido com eles ou com os tolos que só seguem o cardume. O casamento, por exemplo, foi de convenção social discutível à instituição falida justamente porque pessoas que não deveriam se casar estão se casando e por outras, embora compatíveis com o matrimônio, não terem esperado a pessoa certa, optando por vencer o tempo perdido com a errada.

Os mais velhos tinham razão: tudo tem seu tempo. O que eles esconderam e o que esconderam deles é que o tempo não é customizável, não estica. Casa própria, carro do ano, muitas coisas são adiáveis. Só não tente ignorar o relógio biológico e ficar impune. Nascemos, crescemos e morremos. Se você for um salmão romântico, não terá outra escolha: precisará triunfar sobre a correnteza ou morrer tentando. Portanto, comece a nadar aos 25!

P.S. 1 — O cúmulo do azar é precisar da sorte sem acreditar nela.

P.S. 2 — Escrever essa bobagem me fez destravar uma memória: o espirituoso blog Mulher25procura.

P.S. 3 — Diz meu tio, um matemático, que a "matemática teórica transcende a realidade". Caducou.

PINTURA USADA NO TOPO
Yellow umbrella (2023), de Andrew McAdam.

Autista de alto desempenho desespero, estrategista esforçado e um formoso fracassão, viveu pequenas ilusões em vez de grandes sonhos e nunca se sentiu gabaritado para falar sobre nada, mas fala por ser idealista teimoso e comunicativo verborrágico.

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